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Misericórdia e vocação

Marie-Chantal
885
10 Janeiro 2017

Misericordia, do latim : misereri "Miséria", e cordis “Coração”, é a manifestação do amor de Deus em uma história ferida pelo pecado.

Deus coloca a nossa condição miserável, devido ao pecado, em seu coração de Pai, que permanece sempre fiel a seus desígnios.

A misericórdia, disse o papa Francisco, é o ato final e supremo pelo qual Deus vem ao nosso encontro (Misericordiae vultus, 2). Jesus Cristo, morto e ressuscitado, é a suprema manifestação e ação dessa misericórdia divina, portanto a redenção é a obra de misericórdia mais sublime e admirável que a obra mesma da criação. Ela perdoa, recria e renova a pessoa na sua dignidade de filho/a de Deus, para que se levante e se realize nela o plano amoroso de Deus que o criou.

A misericórdia, disse o cardeal Walter Kasper, é a chave para a vida cristã ; é a chave para descobrir a própria vocação e missão. Porque somente quem experimentou a misericórdia, aquele que foi tocado e transformado por ela pode descobrir o sentido de sua existência e realizar com convicção, fervor e alegria a própria vocação e missão.

É exatamente isso que Paulo afirma na sua carta aos filipenses, quando diz: “"Na verdade, considero como perda todas as coisas, em comparação com esse bem supremo: o conhecimento de Jesus Cristo, meu Senhor. Por causa dele eu perdi tudo. Considero tudo como lixo, para ganhar Cristo e ser unido a ele...  Não que eu tenha já chegado à meta, ou já tenha atingido a perfeição. Mas continuo a correr, para alcançá-lo, uma vez que também eu fui alcançado por Cristo Jesus...” (cf. Fl. 3,8-14).

Paulo disse que continua a correr para alcançar a meta, uma vez que também ele foi alcançado por Cristo. A misericórdia divina é dinâmica . Ela transforma e põe em movimento quem a experimenta e revela à pessoa a sua vocação missionária de receber para dar, de ser amado para amar, de ser encontrado para encontrar. Todos, disse papa Francisco, somos ovelhas reencontradas e trazidas para casa pela misericórdia do Senhor, e somos chamados, por nossa vez a encontrar outras ovelhas e trazê-las para Cristo ( cf. catequese do Papa Francisco no dia 4 maio, 2016).

“Trazer muitos irmãos/as para Cristo” é a meta, o prêmio, a vida eterna que Paulo corre para ganhar. Para que todos conheçam a Jesus e descubram a sua vocação e missão.

É justamente isso que uma jovem estava buscando quando veio me procurar para conversar.  Ela é uma jovem muito querida, bem alegre, simpática e disponível;  de uma família muito católica e comprometida, bem tranquila, também em termos financeiros.

Um dia, após o encontro dos jovens, aproximou-se de mim e bem baixinho disse: “Gostaria de conversar com a senhora”. “Pois não! Pode falar” - respondi. “Aqui, não” - replicou. “O assunto é muito sério” - acrescentou.  Logo pensei: “Será uma vocacionada .”    

Quando chegou o dia da nossa conversa, sem muita formalidade, ela me fez a primeira pergunta: “A senhora está feliz?” “Estou” - respondi, sem muita reflexão. Bem determinada, desafiou-me com a segunda pergunta: “Qual é o sentido da vida para a senhora? Já fiz esta pergunta aos meus pais, aos meus colegas... mas até agora ninguém soube me responder.”  Fiquei um pouco em silêncio, depois respondi com outra pergunta: “você gosta de viver?”

Após um breve momento de silêncio, respondeu, com uma voz forte: “Não! Pra mim a vida não vale nada. Não sei nem por que viver. Esta vida não tem nenhum sentido pra mim. Três vezes tentei de me matar...”. Nesse momento, caiu em lágrimas e continuou: “Nunca falei e não vou falar isso para os meus pais porque eles gostam muito de mim, pagam os meus estudos, dizem que eu sou a alegria da minha família. Eu sou alegre, sim, mas, na verdade, faço isso só para que eles não desconfiem de nada. Eles pensam que eu sou alegre, mas eu vivo numa grande tristeza, angústia. Existem dias que não me aguento. Sinto-me no fundo do poço, perdida, confusa... Tenho outros amigos que estão na situação igual à minha. Não falamos pra ninguém porque é muito ruim falar deste tipo de coisa, é até vergonhoso. O que as pessoas vão pensar de nós? Depois, quem vai acreditar?”

Sim, ela é uma jovem, muito especial, em busca do sentido de sua vida, em busca de sua vocação e missão. Quantas  espalhadas pelo mundo estão em busca do sentido do existir?

Além de ajuda valiosa das ciências humanas, o encontro, a experiência pessoal e profunda com o Ressuscitado, o rosto visível do Pai misericordioso permanece imprescindível. É esse encontro que permite a compreensão do sentido profundo da nossa vida, da nossa existência e, consequentemente, da nossa vocação e missão.

A misericórdia divina é fonte de vida nova em Jesus Ressuscitado, vida em abundância. A misericórdia é fonte de toda vocação e missão.