No sofrimento, uma relação de confiança
No dia 11 de fevereiro, memória litúrgica da Bem-Aventurada Virgem Maria de Lourdes, será comemorado o XXXII Dia Mundial do Doente, instituído pelo Papa João Paulo II em 1993, apenas um ano depois de ele ter sido diagnosticada com a doença de Parkinson. O Papa escolheu este aniversário porque «Lourdes é um dos santuários marianos mais amados pelo povo cristão, é lugar e símbolo de esperança e de graça».
No amor, Deus pensou no homem, criou-o para ser feliz, mas não livre de dificuldades, dores e doenças. A vida humana, apesar de ser um dom maravilhoso, é acompanhada de todo tipo de sofrimento. Hoje, mais do que nunca, o mundo (com as guerras a espalhar-se), a sociedade e muitas das nossas relações estão doentes.
Qualquer tipo de doença, física, mental, psicológica ou espiritual, faz parte da existência humana. Quando a vivenciamos, nos faz sentir toda a nossa fragilidade e vulnerabilidade e, ao mesmo tempo, a necessidade inata dos outros. Emerge a nossa condição de criatura e experimentamos claramente a nossa dependência dos outros e de Deus. Quando estamos doentes, de facto, a incerteza, o medo e por vezes o desânimo, invadem a nossa mente e o nosso coração; encontramo-nos numa situação de desamparo, porque a nossa saúde não depende apenas da nossa vontade, das nossas forças e capacidades ou da nossa “preocupação” (cf. Mt 6,27). É então que percebemos que não somos onipotentes.
A doença impõe uma questão de sentido, que na fé se dirige a Deus: uma questão que procura um novo sentido e uma nova direção para a existência, e que às vezes pode não encontrar resposta imediata. Os mesmos amigos e familiares nem sempre conseguem ajudar-nos nesta cansativa busca ou nós próprios não estamos preparados, ou dispostos a acolher a ajuda deles.
Um exemplo disso é a figura bíblica de Jó. Sua esposa e amigos não conseguem acompanhá-lo em seu infortúnio, pelo contrário, o acusam, amplificando sua solidão e confusão. Jó cai num estado de abandono e incompreensão. Mas precisamente através desta extrema fragilidade, a certa altura, rejeitando toda a hipocrisia e escolhendo o caminho da sinceridade consigo mesmo, para com Deus e para com os outros, ele faz com que o seu grito insistente chegue a Deus, que no final responde, abrindo um novo horizonte. Confirma-lhe que o seu sofrimento não é um castigo ou punição, nem sequer é um estado de distanciamento de Deus ou um sinal da sua indiferença. Assim, do coração ferido e curado de Jó, surge aquela declaração apaixonada e comovente ao Senhor: “Eu só te conheci por ouvir dizer, mas agora os meus olhos te viram” (42,5). É a experiência que muitas pessoas têm de Deus através da doença.
Só em Cristo e com Cristo se pode viver a própria condição numa perspectiva de fé: «Não é evitar o sofrimento, escapar da dor, que cura o homem, mas a capacidade de aceitar a tribulação e de amadurecer nela, de encontrar sentido pela união com Cristo, que sofreu com amor infinito» (Enc. Spe salvi, 37).
Na doença, vivida na fé, faz-se a experiência do Senhor e dos irmãos. Quando nos sentimos como o homem da parábola (cf. Lc 10, 29-37), meio morto à beira do caminho, é ali, no momento de extrema fraqueza, que o Senhor e os irmãos, como o bom Samaritano, aproxime-se, eles nos recolhem, nos tratam, cuidam de nós. Para nos são aquela mão amiga que nos agarra, nos acompanha e não nos deixa sozinhos. Experimentamos assim o amor misericordioso de Deus, a fraternidade, a solidariedade e a proximidade como um bálsamo precioso, que dá apoio e consolação. Então é possível viver a doença com confiança em Deus e na aceitação serena da própria condição.
É assim que várias pessoas a quem levo a Comunhão lidam com as doenças. Quando chego, seus rostos se iluminam; vamos conversar, vamos orar; eles me transmitem paz e serenidade. Com o passar do tempo, domingo após domingo, sinto que se cria uma familiaridade, cresce uma relação de fraternidade e comunhão. Aqui a doença ganha rosto e nome: irmão.
Como Maria no Calvário, onde estava a cruz do seu Filho, aproximemo-nos das cruzes da dor e da solidão de tantos irmãos e irmãs para partilhar o seu sofrimento, dar-lhes força e coragem. Que Maria, «Saúde dos enfermos», «Mãe dos vivos» e «Mãe da consolação», seja o nosso apoio e a nossa esperança. “Que Ela aumente a nossa sensibilidade e dedicação para com aqueles que estão em prova, juntamente com a expectativa confiante do dia luminoso da nossa salvação, quando toda lágrima será secada para sempre (cf. Is 25, 8). Que possamos desfrutar a partir de agora das primícias daquele dia naquela alegria transbordante, mesmo no meio de todas as tribulações (ver 2 Cor 7, 4), que, prometida por Cristo, ninguém nos pode tirar. (ver João 16, 22)”. (Papa João Paulo II, 1º Dia Mundial do Doente, 1993).