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Quaresma: possibilidade de conversão

Teresa Rinaldi
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19 Fevereiro 2024

O principal objetivo da quaresma é celebrar a ressurreição assemelhando-nos cada vez mais a Jesus. A nossa história se constrói entre as luzes e as sombras da nossa humanidade, numa peregrinação constante e ininterrupta. É a ação do Espírito Santo que nos empurra para além de nós mesmos, que cria, que faz tudo novo. Quando diminui a intensidade da relação com Ele e com Jesus, tornamo-nos incapazes de criar algo novo. A quaresma pode ser entendida como um laboratório de conversão ao ritmo do espírito, onde somos reconduzidos “evangelicamente” e convidados a purificar a nossa relação com Deus e com o próximo. 

A carta encíclica do Papa Francisco sobre a fraternidade e a amizade social “Fratelli Tutti” poderia ser a fonte inspiradora do caminho de conversão que nos leva à Páscoa, experimentando Cristo glorioso e ressuscitado como fonte profunda da nossa esperança. 

O Papa Francisco, comentando a parábola do Bom Samaritano (Lc 10,25-37), que sublinha o pano de fundo do segundo capítulo, coloca-nos uma pergunta direta e decisiva: com qual personagem você se parece? E continua dizendo que crescemos em muitos aspectos mas, somos analfabetos no acompanhamento, cuidado e apoio aos mais frágeis e fracos nas nossas sociedades desenvolvidas. Acostumamo-nos a desviar o olhar, a seguir em frente, a ignorar as situações até que elas nos afetem diretamente. Além disso, como todos estamos focados nas nossas necessidades pessoais, ver alguém sofrer nos incomoda, nos perturba, pois não queremos perder tempo com problemas alheios. 

A parábola convida-nos também a sermos interrogados pelo estrangeiro, a abrir o coração para não excluir o estranho.  Nos textos mais antigos da bíblia encontramos a lembrança constante do povo judeu de ter vivido como estrangeiro no Egito. 

"Se um estrangeiro vier morar na sua terra, você não o oprimirá. O estrangeiro residente será para você como alguém de seu próprio país. Você o amará como a si mesmo, porque vocês foram estrangeiros na terra do Egito" (Êxodo 19.33-34) 

"Quando você fizer a colheita da sua vinha, não voltará para colher o que sobrou. Será para o estrangeiro, para o órfão e para a viúva. Lembre-se de que você foi escravo na terra do Egito" (Deuteronômio 24,21- 22) 

O apelo ao amor fraternal ressoa com força no Novo Testamento. 

“Quem não ama a seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê” (1 João, 4,20) 

É o amor que quebra as correntes que nos isolam e separam, construindo pontes; um amor que nos permite construir uma grande família onde todos possamos nos sentir em casa; um amor que conhece compaixão e dignidade. 

O Papa Francisco destaca o valor da solidariedade que se expressa concretamente no serviço, que pode assumir formas muito diferentes para cuidar dos outros. Servir significa cuidar dos vulneráveis das nossas famílias, da nossa sociedade, do nosso povo. O serviço olha sempre para o rosto do irmão, toca a sua carne, sente a sua proximidade e em alguns casos “sofre” e tenta promover o irmão. 

A oração que conclui a encíclica nos guie neste caminho de conversão: 

Nosso Deus, Trindade de amor, a partir da força comunitária da tua intimidade divina, derrame sobre nós o rio do amor fraterno. Concede-nos aquele amor que se reflete nos gestos de Jesus, na sua família de Nazaré e na primeira comunidade cristã. Doa aos cristãos viver o Evangelho e  reconhecer Cristo em cada ser humano, a vê-lo crucificado na angústia dos abandonados e esquecidos deste mundo e ressuscitado em cada irmão que se levanta. Vem Espírito Santo, mostra-nos a tua beleza refletida em todos os povos da terra, para descobrir que todos são importantes, que todos são necessários, que são faces diferentes da mesma humanidade que tu amas. Amém.