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NATAL NA CONTRAMÃO

Téa Frigério
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03 Janeiro 2018

Natal: é tudo aquilo que não se espera. Natal é surpresa. “Estava muito contente, tinha conseguido elaborar uma genealogia conforme o figurino, conforme mandava a tradição: de Abraão a Davi 14 gerações; de Davi ao Exílio 14 gerações; do Exílio a José 14 gerações.

Todos homens famosos, todos homens honrados, todos homens da raça, pertencentes ao povo judeu. Mateus estava muito feliz, ia confirmar para comunidade que Jesus era o Messias esperado, aquele em que se cumpriam todas as antigas promessas.

De mansinho alguém entrou, lá onde ele estava escrevendo, espiou por cima do ombro, leu e, começou a dizer: “Mateus isso não está certo! Onde já se viu geração, parto, nascimento sem mulher? Não te lembras, Farés e Zara saíram do ventre de Tamar, Booz nasceu de Raab, o avo de Davi, Obed, teve como mãe Rute e Salomão nasceu Daquela que era a mulher de Urias?” (Mt.1,1-16).

Buzinou e buzinou até que a genealogia perfeita, alias mais do que perfeita teve suas pequenas manchas. Quatro mulheres estrangeiras. Quatro mulheres de conduta duvidosa. Quatro mulheres que souberam ir à luta para alcançar seus direitos, conseguir o que era delas.

A perfeição se foi, mas isso fez sentir Maria menos sozinha. Ela que era mãe solteira se achou bem junto de estrangeiras e prostitutas. Ela que precisava de coragem, na força das antepassadas encontrou energias para ser a mãe deste filho sem pai.

Estava muito contente, tinha encontrado a solução, ia manda-la embora, não clamorosamente mas na privacidade. Ele, José era homem honrado não ia assumir a paternidade do filho que seu não era.

E Maria? Sentia muito por ela. Gostava muito da moça: recatada, bonita e prendada. Mas como foi se meter numa situação semelhante? Como podia ter caído na lábia de alguém de fala mansa? Sentia muito, mas ele não, não ia criar filho de outro. Faria tudo em segredo, não queria prejudicar a moça. Era tudo o que ele podia fazer. Maria, depois que se virasse.

Tinha encontrado a solução ao problema, sossegou, tranqüilizou e depois de muitas noites insones, adormeceu. Dormiu o sono dos justos.

Alguém entrou lá onde ele estava dormindo, começou a soprar em seu ouvido: “De onde vem todo este medo? Deixa de ser medroso, José! Enfrenta o desafio! Acolhe na tua casa a mulher e seu filho” (Mt.1,18-15). E no sono a voz falou, falou e falou, até que José pensou que era uma "anja" enviada por Deus a lhe trazer um recado.

De manhã quando acordou foi buscar Maria e a trouxe para sua casa. Assegurou à moça que ia assumir o filho, ele mesmo tinha já escolhido o nome e este era Jesus. Depois destas palavras José deu-se conta que o antigo profeta Isáias já havia profetizado algo de semelhante. Aí ele se apercebeu que o menino que ia nascer seria o Emanuel.

Estavam muito contentes, sua busca havia terminado, haviam enxergado no céu uma estrela. Estrela espreitada. Estrela esperada. Estrela da novidade. Nos livros da antiga sabedoria, nas tradições dos astrólogos, nas lendas contadas ao redor das fogueiras, nos olhos voltados para céu, tudo falava deste evento a acontecer: um sinal luminoso, um sinal brilhante no céu iria anunciar uma nova era, era de um novo rei, de um novo reinado. Os olhos perscrutando. As mentes buscando. Os corações ansiando a chegada do novo.

O sinal apareceu, uma estrela luminosa. Os sapientes magos se puseram a caminho. Queriam encontrar. Queriam homenagear. Queriam reverenciar. Queriam ser súditos deste novo rei, neste novo reinado.

Se colocaram a caminho, deixando-se guiar pela estrela. E, quando a perderam de vista logo pensaram: um rei aonde podia nascer? E como a cidade próxima era Jerusalém eles pensaram por bem ir no Palácio do rei. Alvoraçado Herodes mandou chamar os sapientes, os escribas e estudiosos. Mandou acordar sacerdotes e generais queria saber do novo rei. O medo apertou suas entranhas: alguém desejava seu trono! Logo, queria saber quem era o conspirador, quem almejava roubar sua coroa. Ninguém sabia de nada!

Enquanto a corte inteira corria de cá prá lá, de cima prá baixo, ignaros e confiantes os magos foram dormir cansados de tanto andar. Sabiam de estar perto. Sentiam em seus corações que a busca estava no fim.

Alguém de mansinho, entrou lá onde dormiam e falou bem baixinho: “não sejam tão confiantes num rei amarrado ao poder! Sejam mais cuidadosos! Acordem e de mansinhos saiam deste palácio, saiam desta cidade, a estrela não desapareceu ela só se escondeu para não ser roubada pelos grandes e poderosos. Estrela só gosta de coisas bem pequeninas” (Mt.2,1-12).

Atordoados pelo sono. Espantados pelo vozerio. Espreitando a direita e esquerda saíram de mansinho do palácio em polvorosa. Ao sair da cidade viram de novo a estrela. Até a vila de Belém eles foram conduzidos. Num pequeno casebre a estrela posou. E, surpresa dos magos a estrela iluminou uma mulher do povo ninando seu bebê. Custaram acreditar que aquele era o novo rei, mas a voz soprou: “para ser novo rei, para ser novo reinado só podia acontecer na veia da humildade, só podia acontecer em quem não vale nada, só podia vir dos pobres. Tudo isso o mundo despreza mas, humildade, pobreza, pequenez é aquilo que Deus preza”.

Ao terminar de escrever Mateus ficou contente, tinha dado o seu recado: novidade é universalidade; novidade é acolhida; novidade é inesperada; novidade é abertura. Novidade é tudo aquilo que é diferente, tudo aquilo que desacomoda, tudo aquilo que rompe os trilhos, tudo aquilo que brilha e nos faz novos e novas.

Ao terminar de escrever Mateus pulou de alegria tinha conseguido dizer o que era para ele Natal.”

Ao despertar do devaneio me enchi de esperança. Pensei em cada uma, em cada um de vocês.

Vieram a minha mente nomes que com seu agir desestruturam a tradição. Pequenas manchas no arrumado, mas que geram espaços onde os menos afortunados vencem a solidão, se encontram a vontade, regeneram suas forças.

Vieram a minha mente pessoas que souberam vencer o medo, que criaram coragem para escutar as “anjas” da vida e por sua vez viraram anjo e anja que anunciam a presença do Deus conosco agindo no cotidiano.

Vieram a minha mente rostos de mulheres e homens sábios, os olhos a espreitar, as mentes a perscrutar, os pés a buscar, o coração a esperar, refazendo a história, apostando no novo, acreditando no poder que enraíza no serviço e na partilha.

Ao memorar nomes, rostos, pessoas falei para mim mesma é possível ainda dizer:

Feliz Natal! Feliz Ano 2018